quarta-feira, 6 de junho de 2012

João Xavier de Almeida (Vila Nova de Gaia, Portugal)


Divaldo Pereira Franco
85 anos duma vida missionária


De raro em raro, vê-se ironizar a ideia de Divaldo Franco ser um infatigável Paulo de Tarso no nosso tempo, a difundir (e dignificar) o Espiritismo pelo Mundo. Não me lembro porém de alguma vez sentir a segurança da convicção ou a pureza de corrigir, orientar, edificar, nessas ironias. E benfazeja, fecunda (como elas não podem ser), a obra colossal do médium-orador baiano vem prosseguindo sem se deter. “Pelos frutos conhecereis a árvore”.
Conheci Divaldo em 19 de Agosto de 1971, ao fim da noite, no aeroporto de Luanda. Voando do Brasil via Joanesburgo, ele chegava de Moçambique, também colônia portuguesa, que acabara de visitar. Na ampla sala de desembarque, vestido desportivamente, sem hesitar encaminhou-se risonho para o grupo de espíritas luandenses que o aguardavam. Nunca nos tínhamos visto antes. Com naturalidade, saudou-nos afavelmente numa atmosfera cordial, tratando cada um pelo seu nome: detalhe em que nem reparamos no momento. Muitas horas mais tarde, reunidos em casa de Maria Cleofé, contava-nos ele que algumas semanas antes, no Brasil, os mentores espirituais que tutelavam a viagem, em desdobramento tinham-nos juntado com ele e feito as apresentações.
Quase dez anos depois, em Lisboa, no fim duma sessão de boas vindas que lhe dedicara a Federação Espírita Portuguesa na sua sede (então à Rua Maestro Pedro de Freitas Branco, 24-B), Divaldo perguntava-me à parte: “João, lembra-se do que pensou em Luanda, quando nos vimos pela primeira vez?” Enquanto procurava lembrar-me, acrescentou: “ficou contente por eu estar sem casaco nem gravata”. Recordei então que em vésperas de o receber (aquele tempo era muito mais formal do que hoje) me apoquentava a ideia de envergar casaco e gravata com o desagradável calor de Luanda, para o acompanhar durante a visita; vê-lo trajado à vontade, no aeroporto, fora um alívio imenso.
A providencial estadia de Divaldo Franco marcou Angola vivamente, sensibilizando-a para um acolhimento nunca antes concedido ao Espiritismo.
Até 1971, a palavra espiritismo era ali socialmente proscrita, ninguém ousava proferi-la senão por troça ou desdém; em público, por alguma espécie de pudor, não se lia nem ouvia tal palavra. Mas a primeira conferência espírita de Divaldo em Luanda, a 20 de Agosto, na Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra (Provas científicas da existência de Deus), constituiu enorme sucesso e foi um marco de viragem. No Lobito e no Lubango, o magnetismo delicioso da sua oratória e da sua presença, renovou o sucesso, empolgando sempre a assistência. Regressado a Luanda, foi entrevistado no “Café da Noite”, o popularíssimo programa radiofônico de Sebastião Coelho, prestigioso radialista luandense. 
Divaldo partiu em 30 de Agosto para o Brasil, deixando atrás de si um entusiasmo enorme pelo Espiritismo. E no rasto da sua passagem luminosa, uma série de acontecimentos incomuns deu ao vocábulo espiritismo cidadania para começar a frequentar a imprensa.
Editada em Luanda com tiragem modestíssima, a revista Semana Ilustrada colheu em setembro ou outubro desse ano um sucesso enorme com a publicação duma impressionante reportagem sobre as famosas curas espirituais do também famoso Padre Lima, na Igreja de Longonjo, povoação do planalto central, no Huambo. Procurado sofregamente a partir daí, o semanário multiplicou enormemente as tiragens.
Por feliz coincidência, ainda no mesmo ano veio a ocorrer o muito publicitado exorcismo que o bispo de Benguela, D. Armando Santos, efetuou com êxito a Inês Soares, menina de onze anos violentamente possessa e ocasionando aparatosos fenômenos de efeitos físicos. O caso ganhou enorme repercussão porque os pais da menina em vão a tinham levado a vários médicos, incluindo o Prof. Miller Guerra, em Portugal (que proferiu a respeito, a frase então célebre: “quando a crise vem não há exorcismo que valha!”). O bispo de Benguela, dada a notoriedade pública do caso, prevenindo equívocos e mal-entendidos leu solenemente na sé de Benguela o relato oficial do exorcismo, autorizando a sua reprodução apenas na íntegra e com menção da fonte. Constou na altura que a Academia de Ciências Soviética se interessara pelo caso, solicitando informações à diocese benguelense.
Também coincidiu circular clandestinamente em Luanda a tradução duma destacada reportagem da afamada jornalista Oriana Fallaci na revista italiana TEMPO, salvo erro de Novembro de 1971, acerca de Toni Agpoa e outros curandeiros filipinos, a cujas fantásticas cirurgias mediúnicas a própria jornalista quisera submeter-se.
A sucessão destes acontecimentos não propriamente espíritas, logo após a frutuosa visita de Divaldo Franco, contribuiu significativamente para franquear muito mais a opinião pública ao Espiritismo. Pouco depois, essa receptividade saiu reforçada com a exibição em Angola de O Exorcista, o impactante filme de William Friedkin baseado em acontecimentos verídicos, documentados clinicamente.
É certo que em Fevereiro ou Março de 1972 a PIDE (polícia política) interditou a Divaldo Franco a entrada em Portugal e colônias, depois de apreender nos Correios a revista espírita REFORMADOR, salvo erro de Dezembro/71; esta publicava uma bela e profética mensagem (amargamente confirmada pelo tempo) de Monsenhor Manuel Alves da Cunha (espírito), conceituadíssimo Vigário-geral da arquidiocese de Luanda falecido em 1946. Com inúmeras expressões em quimbundo, dialeto angolano (traduzidas), fora recebida psicograficamente por Divaldo durante a estadia em Luanda. O seu nobre teor, fanaticamente tomado pela Pide como subversivo e hostil a Portugal, enfureceu os zelosos guardiães da defesa do Estado, gerando enorme celeuma em Luanda, com interrogatórios e intimidações da Pide.
Mas a atmosfera social, em Angola, já amadurecera o suficiente para dedicar ao Espiritismo a saudável curiosidade de inúmeros adeptos novos, por todo o território, como também sucedera em Moçambique, após a fecunda presença de Divaldo.
Entretanto amanheceu o revolucionário dia 25 de Abril de l974, que derrubou a ditadura em Portugal, com as suas tirânicas proibições e interdições extensivas às colônias. A convite do autor em nome dos espíritas luandenses, Divaldo Franco visitou de novo Angola em 1975, de 26 de Fevereiro a 10 de Março, com auditórios maiores e sem obstruções estatais. Foi até possível obter das autoridades o privilégio de o acolhermos como passageiro vip, no aeroporto de Luanda. O devotado orador e médium fez palestras de grande êxito espiritual nas cidades de Luanda, Novo Redondo, Lobito, Benguela, Lubango, Huambo, Dalatando e novamente Luanda, empolgando invariavelmente os auditórios, fomentando a cultura espírita nos ouvintes.
A abundante sementeira de Divaldo Franco em Angola e Moçambique, nos anos de 1971 e 1975, é peculiar ao seu apostolado de seis décadas pelo Mundo. À sua disciplina pessoal rigorosa, à mediunidade exuberante e educada, alia-se o   encanto suave  das grandes almas habituadas a excursionar psiquicamente por faixas energéticas de elevadíssima  frequência, donde lhes provém uma alta produtividade espiritual e apostolar.
Sem dúvida, tal como Paulo escrevia a Timóteo quando se aproximava da meta,   também Divaldo, valoroso atleta do evangelho, também rejubilará um dia ao dizer com os seus botões: “combati o bom combate… guardei a fé”.

João Xavier de Almeida (E) com o dirigente espírita José Galvão, obtendo um autógrafo de Divaldo Franco, em 2009, na  Escola de Beneficência Caridade Espírita, em São João-de-Ver, Portugal

Imagem do Anuário Espírita, 1972, pág. 113



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