segunda-feira, 30 de abril de 2012

O que penso de um homem singular (Dedicado a Divaldo Pereira Franco)

Wilson Garcia
Recife-PE

O elogio fácil e a incapacidade de reconhecer as virtudes são dois extremos necessariamente evitáveis. Melhor não se deixar levar por nenhum dos dois, não apenas para não se mostrar ridículo, mas, acima de tudo, por respeito a si próprio.
Meus parâmetros para medir uma pessoa incluem o elogio e o reconhecimento das virtudes. Simples assim: discorde do pensamento contrário, se necessário, mas não negue o elogio quando o elogio é a única coisa a dizer; seja franco e sincero no seu falar, sem que isso constitua barreira ao reconhecimento das virtudes alheias.
Há uma virtude em alguns poucos indivíduos raramente reconhecida. Talvez por estar presente, de fato, em poucos. A capacidade de persistir. Com alguma teimosia e com muita ousadia. Teimosia para não ceder aos encantos da sereia. Ousadia para criar ou mudar onde essas coisas se mostram necessárias, oportunas, desejáveis.
O que leva um indivíduo a manter-se fiel a uma causa, um ideal, um projeto? Teimosia. Sem ela, há grandes, imensas possibilidades de desistir no meio do caminho. Há sereias cantando em cada estação e há momentos em que estamos muito, mas muito abertos mesmo a seguir os encantos de uma delas.
O cansaço bate, a capacidade de ceder diminui, as decepções se acumulam, a descrença no ser humano arrefece e até mesmo a adiamento de planos pessoais, em prol da causa, passa por um processo de desconfiança. Sem esquecer as mudanças sociais, que parecem envelhecer rapidamente nossos planos.
Quando o individuo atinge esta quadra da vida, só a teimosia pode mantê-lo fiel.
Mas a teimosia tem seus perigos. Quando é de menos, não funciona; quando passa do ponto, desanda.
Por isso, ela deve ser contrabalançada com a ousadia, e ousadia para criar e para mudar. Por que a fidelidade não pode ser cega, nem surda e muito menos muda. Numa palavra, a fidelidade precisa de liberdade para não ser submissa, do contrário, aceitará a dominação de consequências irreparáveis à capacidade de pensar. Sem pensar, nada se constrói.
Penso naqueles que são exemplos de persistência. São admiráveis, independente de outras virtudes e dos defeitos da condição humana. Incluo aí gente como Gandhi, Einstein e Chico Xavier. Entre outros.
A persistência se comprova com o tempo; o tempo é o fiador dela. Sob o critério da persistência, não se precisa de outra coisa para constatar sua presença senão do tempo.
Mas para admirar de fato o indivíduo persistente, a constatação da teimosia, em sua dose exata, e da ousadia, em seus componentes de criação e mudança, se torna decisiva neste modo de ver.
Divaldo Pereira Franco se enquadraria nesta classe de seres singulares?
É esta a pergunta que me fiz. Vejamos.
Em 1970, ano da minha descoberta do espiritismo, duas figuras ocupavam com destaque o topo das lideranças reconhecidas: Chico Xavier, então com 60 anos, e Divaldo Pereira Franco, com 43 anos.
Chico é indiscutível. Pessoalmente, não conheci outro exemplo maior de persistência. Estará ele hoje mais tranquilo ou continua se agastando com a excessiva mitificação?
Aos 85 anos de vida, Divaldo é candidatíssimo. Guardo dele duas lembranças que considero as mais antigas a ocuparem meus arquivos de memória. Nada extraordinário, nem interessante. Apenas ficaram.
Em palestra pública na presença do então deputado Eurípedes de Castro, um Divaldo muito bem humorado diverte a plateia de dirigentes espíritas ao exclamar: “Eurípedes tem onze filhos e quer disputar comigo, mas não vai conseguir. Eu já tenho quarenta”. Divaldo se referia às crianças da Mansão do Caminho. Estávamos no início dos anos 1970.
A segunda lembrança vem da leitura do livro “Nos bastidores da obsessão”, de Manoel Filomeno de Miranda. Constava ele da bibliografia de um trabalho coletivo ao qual eu estava ligado. A impressão positiva do livro se transformou em memória permanente e a obra é, até hoje, a de maior destaque, para mim, no conjunto dos livros psicografados por Divaldo.
Não são fatos extraordinários, mas têm tudo o que as melhores lembranças possuem: traços olfativos, que remetem ao ambiente de então; marcas táteis, que recordam os cumprimentos calorosos; detalhes visuais, que reproduzem imagens marcantes; toques sonoros, que fazem viajar até aquelas palavras inesquecíveis; e, finalmente, o paladar insubstituível das conversas finais em torno da mesa de refeição.
Divaldo data daquele início. Meus olhos seguiram suas diversas direções, seus caminhos, mas fixaram-se, incontrolavelmente, nos movimentos que o orador e médium fazia para desviar dos obstáculos ou superar as barreiras que os preconceitos e os falsos conceitos constroem.  Ou até mesmo para superar as dúvidas normais pulsantes que a intimidade protege da curiosidade alheia.
Todos sabemos que a imagem pública é a parte mínima visível do ser humano, mas poucos reconhecem no médium a presença deste ser humano comprometido com o imaginário sonhador, criativo, criador, desejoso e desejante.
Por isso mesmo, não têm eles o direito aos projetos pessoais, à solidão, à tristeza, às lágrimas que nascem do sentimento de injustiça, à quase inexistência do amigo confidencial, o direito ao descanso e ao silêncio, ao sono completo e aos momentos de preguiça gostosa. Não, eles não podem parecer tão humanos...
Admiro, pois, esses indivíduos persistentes, casados com o ideal, capazes de seguir a trilha, a mesma e sinuosa trilha da atividade cansativa e tão distante de todas as comodidades que a sociedade não cansa de elogiar.
Chamo a esses de homens singulares e Divaldo, para mim, aos 85 anos de vida, é, indubitavelmente, um deles.
Daqui, do meu posto de observação, vejo-o no andarilho incansável que, ano após ano, põe o pé na estrada, e enfrenta as plateias mais diversas deste planeta uno e tão diferente.
Vejo-o nas suas alocuções arrebatadoras, mas também na conversa descontraída que mostra versatilidade e adaptação.
Vejo-o no psicógrafo persistente, combatido, mas ainda assim convicto, sincero, honesto.
Vejo-o na obra social da sua Bahia de todos os espíritos, a sustentar o compromisso e amparar-se a cada retorno.
Vejo-o, enfim, também na imagem, mas sabendo que entre ela e a realidade sobrevive o ser em sua condição humana, persistindo com rara e admirável capacidade de resistência.

Divaldo, na década de 1970, na tribuna da antiga sede da Federação Espírita do Estado de São Paulo. Da esquerda para a direita: Dr. Luiz Monteiro de Barros, Divaldo Pereira Franco, Carlos Jordão da Silva e o deputado Eurípedes de Castro.

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